O Fornecedor como refém do Juizado

 

As controvérsias relacionadas às relações de consumo são, muitas vezes, dirimidas perante os Juizados Especiais.

 

O consumidor, alegando defeito no produto, pleiteia indenização por danos materiais e morais através do procedimento previsto na Lei Federal nº 9.099/95 que, por ser um rito mais enxuto, por exemplo, impede a realização de prova pericial de alta complexidade.

 

De acordo com o artigo 12, §3º, do Código de Defesa do Consumidor, o fornecedor não responde pela indenização se provar que o defeito inexiste.

 

Em que pese o conjunto probatório ser responsável pela formação do convencimento do juiz, a demonstração de que o defeito inexiste depende quase que exclusivamente da produção da prova pericial. Mas, no Juizado, a prova pericial complexa não é admitida.

 

Neste contexto, o fornecedor deve arguir a incompetência do Juizado para processar e julgar este tipo de demanda, além de tentar produzir as provas possíveis em sede de Juizado, como as documentais, orais e até a juntada de um parecer técnico (tentando suprir a lacuna deixada pela impossibilidade da prova pericial).

 

Não raro, porém, os Juizados, além de não se darem por incompetentes: invertem o ônus da prova (por se tratar de relação de consumo); aplicam a  responsabilidade objetiva; e condenam os fornecedores com base na falta de provas ou evidências quanto a inexistência do defeito.

 

Ou seja, na prática, a sentença afirma que o fornecedor deve ser condenado porque não provou a inexistência do defeito. A pergunta que fica, retórica, evidentemente, é: Como o fornecedor poderia se desincumbir do ônus se a prova pericial que poderia concluir de forma definitiva sobre a inexistência do defeito não pode ser realizada no Juizado? Neste momento, o fornecedor se tornou refém do Juizado, onde o resgate nada mais é do que o cumprimento da sentença...

 

Em termos processuais, se a decisão for mantida na instância recursal, em casos como estes, onde ocorre manifesto cerceamento de defesa, a matéria pode ser levada para apreciação do Supremo Tribunal Federal através do competente recurso extraordinário. Entretanto, diariamente, se constata a dificuldade crescente de levar casos como estes para discussão perante a Corte Suprema (seja em razão dos custos envolvidos, seja em razão das restrições processuais, seja em função do desinteresse do fornecedor em manter casos como esses ativos por muito mais tempo).

 

Deixando de lado a questão processual, de fato, é de se indagar a inteligência ou a intransigência da decisão proferida pelo Juizado.  Na prática, ou o fornecedor se dá por vencido e cumpre a sentença, ou o fornecedor aloca mais meios para manter a discussão viva na Segunda Instância ou nas Cortes Superiores.

 

Seria muito mais razoável que o Juizado, em casos como tais, reconhecesse sua incompetência e remetesse o consumidor para a via ordinária. Referida medida não causaria prejuízo a ninguém. O consumidor continuaria com as benesses da lei (inversão do ônus da prova, hipossuficiência, responsabilidade objetiva do fornecedor)  e ao fornecedor se reservaria o mínimo, que é a produção ampla de provas, a fim de que ele possa tentar se desincumbir de seu ônus. Quanto ao Judiciário, certamente, esta providência garantiria uma decisão muito mais justa, o que, aliás, deveria ser sua meta maior, até porque o juiz é o destinatário final da prova e deve, tanto quanto possível, perseguir a verdade real para formar seu livre convencimento de forma adequada.

 

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Suppliers as hostages of the Courts

 

Consumer-related litigations are quite often resolved through the small claims court.

 

Usually, the consumer claiming a defect in the product demands compensation for material and moral damages pursuant to the procedure stated in Federal Law n. 9.099/95, which, due to its simpler nature, for example, forbids the presentation of high-complex expert evidences.

 

According to article 12, paragraph 3 of the Consumer Defense Code (Law n. 8.078/1990), the supplier is not responsible for indemnification if he is able to prove the inexistence of the defect.

 

Although the whole evidences in the case are responsible to support the judge’s understanding, the demonstration of the inexistence of the defect depends almost exclusively on the production of expert evidence. However, expert proof is not allowed in the small claims court.

 

In that context, the supplier must argue the incompetence of the court to process and judge such demands, must try to present as much evidences as possible, such as documental and oral evidences, and even present a technical report (trying to bridge the gap left by the impossibility of expert proof).

 

Nonetheless, it is not rare for the small claim courts, besides not finding themselves to be incompetent for the case at hand, to invert the burden of proof (due to its consumer relation nature), apply objective liability and condemn the suppliers on the basis of lack of evidence on the inexistence of the defect.

 

In practical terms, the judge’s decision affirms that the supplier shall be condemned for being unable to prove the inexistence of the defect. The remaining question, while evidently rhetoric, remains: How can the supplier avoid the burden if the expert proof, in such cases, is the only one that could definitively prove the inexistence of the defect and is forbidden by small claim courts? In that moment, the supplier becomes a hostage of the court, with the ransom being nothing more than complying with the decision granted…

 

In terms of processual possibilities, if the decision is not modified after appeal, in cases like this where there is evident limitation to defense right, the matter could be taken into appreciation by the Supreme Federal Court by means of an extraordinary appeal. Even so, there is a crescent difficulty in taking cases such as this to discussion before the Supreme Federal Court, be it due to the costs involved, processual restrictions or even due to the disinterest of the supplier in maintaining cases like these active for a long time.

 

Processual matters aside, one must question the intelligence and intransigence of the decision emitted by the small claims court. Normally the supplier will either take his loss and comply with the judgement, or try to achieve ways to maintain the discussion alive through appeal courts or the Superior Courts.

 

It would be much more reasonable for the small claims court to recognize its incompetency and remit the consumer to the ordinary Civil Courts in cases like these. Such measures would surely bring no harm to anyone. The consumer could still take advantage of the benefits presented by law (inversion of the burden of proof, compensation for financial disadvantages in the process, objective liability of the supplier), while the supplier would at least have the minimum, which is the ample production of evidences, so he could try to disencumber himself from his burden. As for the Courts, such adjustments would certainly guarantee a much fairer decision, which, incidentally, should be its higher purpose, given that the judge is the final recipient of the evidences and should, as much as possible, pursue the truth in order to form his understanding in the most adequate way.